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Mestre Pereira, uma história a ser contada.

 

Elaborado por Vitor Lobo em: 17 de agosto de 2015.

 

                   Nas ruas

 

                                               José Pereira dos Santos, o Mestre Pereira, nasceu no interior de São Paulo em 18 de setembro de 1958.                                                     Conheceu a capoeira nas ruas da Capital paulista aos 18 anos de idade. Dizia-se encantado com os movimentos                                                 como S-dobrado, o macaco e acreditava que a Capoeira era um pouco daquilo que presenciava.

                                               Após pegar um panfleto no poste, onde informava sobre uma academia na região da Prosperidade, em São                                                  Caetano, ABC Paulista, iniciou suas atividades na Capoeira de forma oficial com Mestre Juarez, aluno do                                                       Mestre  João Ferreira. Umas das curiosidades, em relação a seu inicio na capoeira, foi o choque descrito ao                                                  começar os treinamentos na academia.
                                               Aquilo “era totalmente diferente do que eu aprendia na rua”[1]
                                              Na academia, Mestre Pereira treinava todos os dias nas horas vagas. Seja na sobra da hora do almoço, seja                                                  um tempo livre a noite, sempre, que possível, praticava sua paixão.  

 

 

MUDANÇA PARA SÃO MATEUS

 

            Devido às dificuldades de pagar um valor alto de aluguel, não demorou muito para a academia se mudar de São Caetano para São Mateus, local onde hoje se encontra o Supermercado Extra, próximo ao largo da Região. 

            Umas das motivações do Mestre Pereira, além da Capoeira, era a promessa de que além de ser uma atividade esportiva, ela também era considerada um fator social, ou seja, acabava promovendo a interação entre as comunidade local e, consequentemente,  a transformação cultural e social da região.

            Passados alguns anos, os intercâmbios entre as academias de capoeira se intensificaram. Mestre Pereira percebeu que teria que treinar mais e mais, já que não conseguia jogar com esses capoeiristas que encontrava nas visitas.

“Nos achávamos que éramos bons. Ai tomávamos escorregões que nem víamos de onde saíam. Temos que treinar mais, pois assim não dá”[2].

 

Mestre Pereira declarou que foi apenas depois de um treinamento seguido de 4 anos que ele começou a se sentir um jogador de capoeira. Pois para ele, a Capoeira tinha muitas fases. A maioria das pessoas queriam ser reconhecidas devido ao seu volume de jogo e não se preocupavam tanto pelo trabalho realizado extra-capoeira.   

“Era importante ser reconhecido nas rodas. Onde chegávamos encontrávamos Mestre Valdenor, Mestre Besouro, Mestre Lima (Santos), Mestre Alemão (São Bernardo), Mestre Bandeira (Santos). Esses Mestres comandavam as rodas de Capoeira da nossa região”[3]. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E foi nessa caminhada que sua formatura chegou e passou a ser reconhecido nas rodas não apenas como jogador de Capoeira, mas como detentor de um trabalho em prol da Capoeira. 

Com o Grupo Santa Maria, Mestre Pereira teve a felicidade de conhecer diversos tipos de Capoeiristas. Pois havia uma diferença concreta entre a Capoeira do ABC e a da Zona Leste de São Paulo. Parte da Leste vinha da tradição dos Capitães de Areia, enquanto o Mestre Juarez apresentava um outro seguimento.

 

Na época tinham alguns grupos muito fortes e dedicados a sua arte, “Capitães de Areia, Farol da Barra, Lagoa do Abaité, que comandavam a área de São Mateus e parte da Zona Leste”[4].


Dessa forma, Mestre Pereira começou sua vida efetiva na Capoeira de São Paulo. Transformando o local onde passava e quem o conhecia. Buscando sempre utilizar a Capoeira como uma ferramenta da mudança e de percepção social e cultural de sua região.  

 

Vitor Lobo: Mestre Pereira, quem foi seu Mestre? Ele tinha algum apelido?

 

Mestre Pereira: “Meu mestre não teve apelido. Seu nome era Juarez. O pessoal não se atrevia a por apelido nele não”...(risos). 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na foto é possível visualizar Me. Juarez (in memirian) e Me. Andrade.

Foto do acervo do Me. Andrade

 

Quando chegávamos nas rodas, as pessoas já vinham perguntar se o Besta Fera iria vir (risos). Ninguém se atrevia a falar isso pra ele.

Colocaram esse apelido porque quando ele estava na roda parecia sem controle. Era um cara incontrolável.

Era um homem forte e grande. Quando ele falava: "hoje eu vou jogar!" e alguém fazia uma gracinha com ele, às vezes, aquilo que era uma brincadeira se tornava uma pancadaria.

Mas apelido oficial ele não tinha. A gente que falava, o Juca está chegando...(risos)

 

Vitor Lobo: O senhor foi discípulo do Mestre Juarez. Quem foi o Mestre de Juarez? O senhor conhece as linhagens anteriores?

 

Mestre Pereira: “O Mestre de Juarez foi formado pelo Mestre João Ferreira. Agora a partir daí, não tenho muitas certezas”.

            
         Nesse momento da entrevista, entramos em uma situação complexa da nossa história, pois Mestre Pereira não lembra, com certeza, das linhagens anteriores. Com essa dúvida buscamos referências externas para complementar e dar maior credibilidade ao nosso trabalho.

            Uma das pessoas consultadas foi Mestre César, do Grupo Nova Luanda, sediado em Santo André.

Mestre César, através de uma ligação realizada em 07-06-2015, nos apresentou alguns detalhes a respeito do Mestre João Ferreira, Mestre de Juarez.

      I.        João Ferreira inicia suas atividades de Capoeira na Região de São Caetano, ABC Paulista, por volta de 1965.

    II.        João Ferreira vem da linhagem de Paulo Gomes, iniciando a Capoeira  aproximadamente ente 1962-64.

   III.        Paulo Gomes foi aluno de Arthur Emídio de Oliveira, no Rio de Janeiro.

  IV.        Arthur Emídio de Oliveira nasceu em 31 de março de 1930, em Itabuna, na Bahia. Iniciou a Capoeira em 1937.

   V.        Arthur Emídio vem da linhagem do capoeirista Teodoro Ramos, conhecido como “Paizinho”, também da região de Itabuna, na Bahia. A partir daí não tenho mais informações.[5]


Outras observações de Mestre César:

      i.        Paulo Gomes teve passagem com o Mestre Leopoldina, no Rio de Janeiro.

    ii.        Mestre Leopoldina – Demerval Lopes de Lacerda, nascido em 12/02/1933, iniciou em 1952, aos 18 anos de idade, com Quinzinho.

   iii.        Sobre Quinzinho não há muitas informações, mas iniciou a capoeira por volta dos anos 1930[6].

 

 

 Vitor Lobo: Quais foram os capoeiristas, que no seu processo de formação, estiveram mais presentes em sua vida? Eles continuam em atividade?

 

Mestre Pereira: “A única pessoa, da minha época, que eu ainda tenho contato é o Mestre Luciano. Mas lembro bem do Régis e do Betinho, que treinaram com Zé Nunes e ele treinou com meu Mestre”. 

Outra pessoa que deve estar na ativa é o Gera. Que foi aluno de João Ferreira também”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mestre Pereira: “É bom deixar uma coisa bem clara, meu Mestre era jogador de Capoeira. Ele não pensava muito em trabalhos extras, ou seja, tinham pessoas que não jogavam tanta capoeira, mas sabiam levar nossa arte para outros lugares e manifestá-la de diversas formas. Meu Mestre era um jogador de Capoeira e ponto”.

Mestre Pereira: “Outro jogador de Capoeira que tive contato, que inclusive, me proporcionou uma das visões mais lindas que pude apreciar, foi o jogo de Mestre Besouro Nicomédio. Parecia que a Capoeira era feita para ele!”.

Mestre Pereira: A grandeza da Capoeira foi exatamente isso ela englobou, e engloba, todas essas pessoas. “Todos aqueles, que de alguma forma, querem trabalhar e se expressar com a Capoeira”.

 

Vitor Lobo: Como surgiu o apelido Pereira?

 

Mestre Pereira: “Eu não gostava muito do meu nome, né...(risos). E como eu gostava de jogar bola, a galera do futebol passou a me chamar de Pereira. E chegou um momento que eu não tinha mais como falar que meu primeiro nome não era esse, e sim meu segundo nome. E assim acabou ficando”.

 

Vitor Lobo: Quais foram seus principais objetivos na Capoeira? Quais foram realizados? Ainda tem algum a realizar?

 

Mestre Pereira: “Então, pra mim a Capoeira tem algumas fases. E eu consegui desenvolver todas elas na academia. Tanto ser um jogador de Capoeira, como ajudar e apoiar a minha comunidade”.

Mestre Pereira: “Cortava o meu coração quando uma criança queria treinar e não tinha condições financeiras”.

Mestre Pereira: “Quando eu já estava formado, pintou meu primeiro trabalho de Capoeira, na região do Carrãozinho (Promorar), onde hoje fica o CEU”.

Mestre Pereira: “Cheguei lá e não tinha nada. Perguntava para as crianças se elas conheciam o berimbau e a resposta era NÃO. Comecei conquistando a confiança das mães e da comunidade de modo geral".

Mestre Pereira:  “O trabalho tomou tal proporção que os partidos políticos que tinham influência na região, começaram a tentar utilizar do projeto para seus fins. E devido a esses conflitos e, principalmente, do não apoio efetivo (inclusive desses partidos), acabei sendo obrigado a abandonar esse projeto. O que foi uma pena, pois no prazo de um ano já havíamos feito um belo batizado, mesmo que tenha sido no meio do mato (risos). Mas infelizmente, algumas pessoas que me apoiaram para iniciar o projeto, começaram a exigir que as ações se convertessem em um braço político de determinados partidos e assim tirar proveito eleitoral. Não era isso que eu queria!”.

Mestre Pereira: “Comecei a lecionar em uma academia na Região do São Lucas, vi que o espaço era pequeno e mudei para o CDM da mesma região. Foi então que apareceu em minha vida a Bernadete, que me convidou para fazer um trabalho de Capoeira no CJ - Centro de Juventude São Pedro. E eu, que ainda estava com vazio no coração, por não ter concluído o trabalho na região do Carrãozinho, resolvi aceitar”.

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

Mestre Pereira: “Foi um trabalho maravilho. Obtive apoio de algumas pessoas do grupo para apresentações e eventos.”

Mestre Pereira: “O maior problema que encontrávamos eram os trabalhos paralelos nas comunidades. Enquanto realizávamos os projetos, outras pessoas tentavam fazer com que nossos alunos fizessem outras atividades na igreja. E isso acabava causando certos problemas, pois entrava em choque com nossos objetivos”.

Mestre Pereira: “Mas na maioria das vezes nossas metas eram alcançadas. O apoio aos alunos de capoeira, inclusive na própria questão escolar.

Mestre Pereira: “Incentivávamos e aconselhávamos na educação. E eu só formava um aluno, se ele ou ela, tivessem o segundo grau completo. Mesmo que fizesse supletivo, teriam que estudar”.

 

Vitor Lobo: Como o senhor conheceu os alunos Jorge, Gilmar e Júlio? Como eles entraram na sua vida?

 

Mestre Pereira: “Conheci esses meninos através do CJ. Eles já praticavam o Break – Dança de rua. Então, em certos pontos, tinham um pouco de aversão a Capoeira, pois imaginavam que estavam perdendo espaço para nós. E através de muita conversa conseguimos conquistá-los e, para minha surpresa, a mistura do Break com a Capoeira deixou as duas artes ainda mais belas”. 

 

Mestre Pereira:  “E após o nosso primeiro batizado o trabalho se firmou, pois apareceram muitos outros alunos”.

Mestre Pereira:  “Um pouco depois disso o Júlio parou com a Capoeira, mas o Jorge e o Gilmar continuaram”.

Mestre Pereira: “Chegou um momento em que eles já estavam trabalhando com a Capoeira e eu sofri uma lesão no joelho e tive que me afastar novamente da Capoeira, mas eles continuaram meu trabalho. O Jorge já fazia trabalho voluntário no CJ e, dessa forma, deu seguimento as nossas atividades”.

Mestre Pereira:  “Nessa mesma época, apareceu a oportunidade de se fazer um trabalho em parceria com os postos de saúde. E comecei uma nova ação no Posto Iguaçu, com a comunidade da Vila Industrial. Só que minha intenção era trabalhar apenas com crianças e não adultos, mas apareceram pessoas de todas as idades e não teve jeito, acabei assumindo todos”.

Mestre Pereira: “Um pouco depois formei o Jorge, principalmente pelas responsabilidades que ele já exercia dentro do grupo”.

Mestre Pereira: “Foi tão lindo esse trabalho que realizávamos, que eles (Jorge, Gilmar e Júlio), conseguiram através de diversos apoios, inclusive da Dora (homenageada através do nome do Grupo), levar a Capoeira para a Europa em 1998. E a nossa Capoeira começou a ser muito bem vista”.

 

Vitor Lobo: Como se deu o desenvolvimento do CD 500 anos de Ginga?

 

Mestre Pereira: “Foi uma coisa boa para o Grupo, inclusive para nossa experiência enquanto pessoas e como Capoeiristas. Mas o que nós realmente queríamos era gravar o CD do Grupo Santa Maria. E acabamos gravando um CD Coletânea, que infelizmente, não era bem o que queríamos.”

 

Vitor Lobo: Como ocorreu a separação do Grupo Santa Maria e a criação do Grupo Tradição de Capoeira?

 

Mestre Pereira: “Através da ação do CD  e de outras ações realizadas, tanto da minha parte, quanto da parte do Luciano, o Grupo Santa Maria cresceu assombrosamente, chegando a ter mais de mil alunos.

Mestre Pereira:  “Eles lutando nas suas academias e nós com nossos trabalhos acabamos, infelizmente, a ter dificuldades de comunicação”.

Mestre Pereira:  “E dessa forma, achamos melhor nos separarmos do Grupo Santa Maria, devido a nossos caminhos terem tomado rumos diferentes”.

Mestre Pereira:  “Criamos o Grupo Tradição de Capoeira. Regularizei o Grupo enquanto associação, com CNPJ e tudo direitinho”. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mestre Pereira:  “O que me deixou magoado, foram as tentativas em vão de conseguir apoio público para nossas ações sociais, pois nada cobrávamos por nossas aulas e sabíamos, através de amigos, que haviam poucas projetos de Capoeira na Zona Leste de São Paulo. E, infelizmente, nada conseguimos!”

 

Vitor Lobo: O senhor consegue relacionar a sua vida pessoal diretamente com a Capoeira, ou é possível imaginar sua vida sem ela?

 

Mestre Pereira: “Não seria possível imaginar minha vida sem ela. Construí muitas amizades na Capoeira e sempre sou convidado, mesmo que ausente nos últimos anos, para festas dos amigos que fiz e que tenho o maior respeito. Evito hoje em dia falar de Capoeira, pois estou distante da prática, mas sempre que possível participo de rodas, com respeito e humildade”.  

 

Vitor Lobo: Como o senhor vê a fundação do Grupo Filosofia de Dora com dois dos seus formados (Jorge e Gilmar) e essa nova caminhada?

 

Mestre Pereira: “Toda vez que você tem o desejo de fazer alguma coisa boa tem que seguir em frente. E conhecendo bem a ligação que eles têm com a finada Dora, essa homenagem não poderia ser melhor, pois Dora auxiliou e ordenou boa parte desses jovens que tiveram contato com o Grupo e com o CJs”.

 

Vitor Lobo: Alguma consideração final Mestre?

 

Mestre Pereira: “Procurem sempre o que é bom na Capoeira. Sem violência, com organização e apoio ao próximo.”

Mestre Pereira:  “Conheci muitos que utilizavam a força física para impor respeito e não chegaram a lugar nenhum.”

Mestre Pereira:  “Podemos sim jogar a capoeira, viver a capoeira, mas respeitando o próximo e, principalmente, o iniciante. Conheci muitos que utilizaram a Capoeira para humilhar as pessoas”.

Mestre Pereira:  “Colhemos o que plantamos”.

 

 

 

 

 

[1] [2] [3] [4] Mestre Pereira – Entrevista de 21/04/2015

 

[5] [6]  Informações descritas por Mestre César em 07-06-2015.

 

 

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